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Roi... Conto novo, né? |9


“Cantiga Maldita”

por Gabriel Cordeiro


Da mesma forma que quando uma criança ri, uma fada nasce, quando outra morre, um demônio é alimentado. E, dessa maneira, seguindo essa tão poderosa convicção, aquele coven atravessava a escura floresta carregando em cada um dos três sacos de panos, um par de cabeças prematuras respingando sangue fresco.

Atrás do comboio, uma sombra peculiar seguia. Silenciosa, porém atordoante para quem se aproximasse demais, aquele ser humanoide de três metros e perdido na escuridão da floresta a qual se mesclava, ansiava pelo momento de sua refeição e conversão.

Emitindo sons estridentes, a presença era sufocante ao mesmo tempo em que se mostrava dentro dos prazeres das cinco mulheres caminhantes da noite eterna sob uma lua cheia e gritante. Enquanto isso, quilômetros atrás, o vilarejo se consumia em chamas negras e gritos agonizantes de corpos sendo devorados pelo fogo implacável que destruía eficientemente aqueles que uma vez tentaram impedi-las de levar suas crianças.

Um, dois… A criança vou pegar.

A porta de madeira explodiu quando a figura feminina jazeu contrapondo aquele show perpétuo de chamas. Sorriu para a mãe com a criança nos braços fúteis em tentar protegê-la. Era apenas uma mulher do campo e sozinha que procurava cuidar de seu primeiro filho. Mas, quando a face do demônio sorriu, algo dentro daquela pobre humana desmoronou em medo, pavor e desespero.

– Não… Não. A minha criança não… – suplicou a mulher aos prantos, apertando no colo frágil o corpo do filho. – Por favor…

A bruxa alargou seu sorriso e maneou a cabeça com um breve movimento. Foi o suficiente para que o pescoço da camponesa rodopiasse ainda grudado no restante do corpo ao som de um único estalo. Seu corpo desabou torto no piso de madeira assim como a criança – que estava chorando – foi de encontro a única coisa que a faria ficar quieta. Uma queda bruta.

Em seguida, com sutis passos, a maldita se direcionou até a criança, agarrando-a pela perninha direita e erguendo-a na altura de sua face. Umedeceu os lábios pretos e com abocanhadas, através de insanas dentadas, separou a cabeça do corpo inocente enquanto se encharcava de sangue.

Três, quatro… Para o demônio alimentar.

As seis anteriores cabeças agora se apresentavam ensanguentadas ao redor de um símbolo riscado a sangue contornando a criatura sombria e silenciosa sentada de pernas cruzadas no centro do círculo.

Em coro, as mulheres já nuas, entoavam um canto maldito e que fora esquecido nas antigas línguas. Sorvendo cada uma delas do prazer genuíno e momentâneo dado por àquele que elas buscavam beneficiar, assistiram a aberração se alimentar.

De cabeça em cabeça, consumiu pele, carne e sangue daqueles crânios deixando-os apenas aos ossos num avassalador composto de urros e gemidos.

Cinco, seis… Não adianta espernear.

O fogo retornou sendo convidado pela escuridão.

Tocou cada ponta dos dedos dos pés desnudos das mulheres que se contorciam em uma consumação de prazer invisível. Escalou por suas pernas até encontrar cada orifício escancarado onde se permitiu adentrar. Dentro… Destruiu seus órgãos.

Os gritos recomeçaram. O cheiro de carne chamuscada tomou conta do ar. Suas faces derreteram lentamente como se fossem feitas da mais barata cera. Uma a uma, as mulheres juntaram-se ao solo ressecado sendo envolvidas pela terra viva a qual transformou todas elas em adubos fétidos para – talvez – uma nova reencarnação terrena. Árvores.

Sete, oito… O Diabo nascerá.

Ao fim de sua refeição, camadas de carne revestiram o ser possesso de escuridão. Presenteando-o com uma face humana, braços, pernas e trejeitos mortais, a figura se levantou do meio do círculo nu e com olhos que jaziam do inferno habitado antes.

A escuridão encontrou enfim um lar. E, nesse lar, acompanhou os crânios se desfarelando e sendo levados pela brisa da noite que se despedia.

Nove, Dez… quando a lua se deitar.

O homem deu as costas para o que restara do ritual e partiu caminhando para fora da floresta. Iniciaria então sua jornada como mais um demônio na terra. Libertou-se do inferno eterno para amanhecer semelhante aos homens criados à imagem D’ele.



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