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Roi... Conto novo, né? |3

'Minerva'

por Murillo Pocci



Sia estava tremendo devido suas preocupações. O cabelo ruivo estava bagunçado depois de mais um dia movimentado pelos desaparecimentos de moradores da Casa. Tinha desviado de questionamentos sobre o paradeiro deles, mas as respostas ainda eram muito perigosas para oferecer. Nem todos estavam preparados para saber o que tinha entrado no lar deles.

Na volta para o seu aposento, tentou escapar ao máximo dos encontros para não fazer mais aquele jogo de cintura. No final do dia, ela sabia exatamente a única coisa que ela queria encontrar sobre a mesa de centro.

Ao abrir a porta a lareira do quarto acendeu automaticamente. As estantes de livro estavam tão bagunçadas quanto a própria dona de todas aquelas histórias. Sia fechou a porta e encostada na parede ela suspirou, sentindo–se aliviada no conforto da sua privacidade. Tudo que ela desejava agora era um banho, cama e…

– Você é a Sia, certo?

Os pensamentos da guardiã pararam no instante em que ela ouviu aquela voz fina. Primeiro imaginou que poderia ser alguma moradora qualquer da Casa, mas eles não tinham acesso ao seu quarto. Então presumiu que aquela era Frey, mas quando olhou para a poltrona de onde vinha a voz, percebeu que aquela pessoa era alguém que ela jamais tinha visto.

A garota sentada parecia ser mais velha que sua irmã mais nova, mas dentro dos 20 e poucos anos. Seu cabelo era mais curto que o de Frey e seu semblante era tranquilo e seguro. O óculos caia levemente sobre a ponta do nariz, algo que ela rapidamente corrigiu, ajustando–o ao rosto enquanto esperava a resposta da mulher ruiva na sua frente.

– Então?

– Quem é você?

– Bem, falaram para eu me apresentar como Minerva. Mas eu achei isso um pouco quanto esquisito, já que meu nome é…

– Como você entrou aqui? Quem lhe trouxe? – Sia chegou mais perto da garota e a olhou como se fosse o animal mais esquisito que ela já tinha visto. – O que você é?

– Em ordem: Eu entrei aqui da mesma forma que você, usando essa porta de entrada. Quem me trouxe aqui foi um homem de terno branco, que me mostrou o caminho até essa sala. E por último, me foi dito que eu estava aqui para te substituir

Sia continuou confusa e estranhando toda aquela situação. Antes de continuar a conversa, ela levantou e foi em direção a outra poltrona do quarto, sentando nela. Depois, lentamente pegou a taça sobre a mesa de centro e encheu ela com o uísque que estava em uma garrafa transparente na mesma mesa. Minerva observava cada movimento em silêncio.

– Como assim, me substituir?

– Entrar no seu lugar e executar suas funções.

– Eu sei, mas… Por que?

– Talvez porque você não esteja mais executando-as corretamente?

Sia encarou Minerva e arqueou as sobrancelhas. A garota parecia não ter noção das coisas que falava, mas ao mesmo tempo sua tranquilidade e frieza eram assustadores, como se ela entendesse completamente a situação diante delas.

– Minerva, você sabe o que eu sou? Digo, nesta Casa? Eu conheço tudo nesta Casa, todos os moradores e todos os cômodos.

– Eu compreendo, mas com todo este conhecimento me foram dados os fatos de que você está se confundindo e transmitindo informações falsas para os moradores. Por isso me enviaram. Eu sou mais observadora do que você, detalho mais e estou pronta para lidar com os fatos de forma mais efetiva.

– Mesmo?

– Sim.

Novamente as duas trocaram olhares em silêncio, até Minerva olhar para o copo na mão da mulher. Sia percebeu aquilo e olhou para o copo, procurando o que despertava o interesse da garota.

– Isso é álcool? – Minerva perguntou.

– Sim.

– E por que você bebe isso? Quer dizer, você sabe os efeitos, não é? No seu corpo e, principalmente, no seu cérebro? – Sia continuou em silêncio – Talvez seja por isso que eu fui mandada.

Sia respirou fundo e suspirou. Levantando da sua poltrona e indo em direção a porta, ela segurou a maçaneta e olhou para Minerva.

– Vamos. Eu vou te mostrar o lugar.

– Agora? Mas já é tarde, e passou do toque de recolher que vocês colocaram, pelo que me disseram. Podemos fazer isso depois de você descan… .

– Sim, agora. Vamos ver se você está pronta para ficar no meu lugar.

II

Sia levou Minerva até a sala de jantar onde o verme da ceia continuava a se empanturrar. Aquilo nem sempre esteve nesta sala, mas nos últimos anos tinha simplesmente aparecido no cômodo, manifestando-se devido a algo que Sia não entendia.

– Tem alguma ideia? – Sia perguntou para Minerva, que rodeava a besta, analisando de todos os ângulos em busca de dicas sobre aquela criatura.

– Ela é carnívora? Não tem nenhum tipo de vegetal na mesa.

– Não tenho ideia. Nunca parei pra ver a dieta dele.

– Não achou importante?

– Minerva, ele é um pesadelo. A coisa mais importante sobre ele é saber como evitá-lo.

– Isso pode ser um pesadelo, mas ao mesmo tempo é algo que está vivendo na Casa. – Minerva foi até o lado da guardiã, ajustando os seus óculos. – Ele não tem culpa alguma de ter surgido dessa forma. E você, como protetora dos conhecimentos desse lugar, devia se interessar mais em conhecer cada ser que existe aqui dentro.

Sia começou a ficar irritada com as críticas que estava recebendo sobre seu trabalho daquela quase adolescente. Em silêncio, tomou um gole do copo de uísque que trouxera do seu quarto, apenas para ouvir a voz sarcástica da menina dizendo:

– Não vai ser no uísque que vai estar a resposta disso.

– Você sabe quantos quartos existem nesta Casa? Quantos seres existem em cada um dele? E nos jardins e corredores? Quais espécies de bestas e feras existem? Quantas são dóceis e quantas são selvagens? Desde meu primeiro dia de vida eu aprendi isso, eu existo por causa disso. E sempre fiz isso sozinha, sempre! E meu serviço tem sido melhor do que o esperado... seja lá o que fosse esperado que eu fizesse.

Sia, irritada, foi em direção a porta para saírem do aposento.

– Bem, talvez você não seja mais tão boa assim – Minerva falou do mesmo tom alto que Sia discutia com ela – Eu não sei o que está acontecendo com você, mas você não se deu ao trabalho nem de conhecer direito o seu novo hóspede! Talvez você tenha existido tempo o suficiente para não conseguir mais conhecer A Casa ao seu redor. Talvez seja necessária uma nova versão dos seus conhecimentos para cuidar melhor de tudo por aqui e achar as soluções que você não encontra! Talvez você já esteja antiga demais pra esse lugar!

Sia parou de andar na hora. Minerva não podia ver, mas a mulher estava de olhos cerrados buscando concentrar sua respiração. Ela tremia por nervosismo e medo de que a criança estivesse correta. Temia se tornar obsoleta, de forma que começasse a esquecer ou confundir tudo ao seu redor. Seu maior medo vivia dentro dela mesma: a fragilidade de sua mente.

– Me desculpe – Minerva disse, depois de acalmar os ânimos – Eu não quis te ofender de propósito. A adrenalina subiu a cabeça.

– Tudo bem. Você está certa: eu estou ficando antiquada e descuidada. Daqui pra frente as coisas não vão ficar mais fáceis e eu preciso estar preparada para o pior.

– O pior? Do que você está falando?

– Minerva, eu acho que sei porque você foi mandada agora, neste momento. – Sia foi até a porta e abriu, dando acesso a um corredor longo e estreito. – Quero te mostrar uma coisa. Talvez você possa me ajudar com isso.

Minerva arregalou os olhos, surpresa e feliz pela diferença de pensamentos da Guardiã.

– Ótimo! Só um momento, eu preciso amarrar meus sapatos, mas pode ir na frente.

– Eu tenho que segurar a porta. Se ela fechar, você vai parar em outro corredor diferente do meu

– Bem, então coloque um calço para a porta só encostar.

Sia ia dar uma resposta ensaiada mas, parando para refletir sobre o que ela dizia, percebeu que a lógica de Minerva era totalmente válida e funcional. Ela nunca tinha pensado naquilo antes, por ter sido ensinada a sempre segurar a porta. Sia sorriu e pensou que, de fato, aquela garota podia te ensinar uma ou duas coisas novas.

III

As duas continuaram a andar por minutos no corredor escuro. Sia andava tranquila graças a sua experiência, Minerva pela sua confiança e segurança própria. A mulher achava curioso como a garota não exibia nenhum sinal de medo mesmo no escuro e desconhecido caminho da Casa.

Porém as duas pararam de caminhar quando ouviram passos apressados a frente, vindo em sua direção.

– Sia? O que é isso?

Sia se preparou para fugir, mas seu corpo ficou mais leve quando viu que era apenas uma moradora da Casa vindo em sua direção. Porém, para o retorno de sua preocupação, a mesma chorava desesperada!

– Sia! Graças aos céus, Sia, é você! Aconteceu algo no meu quarto, eu entrei e o meu amado, ele, ele, ele…

– Respire – Sia segurou a hóspede pelos ombros – O que aconteceu com ele?

– Ele morreu! Ele estava dilacerado, o corpo estava destruído, Sia! O que aconteceu? O que está acontecendo, estamos em apuros?

– Por favor, se acalme. Eu vou buscar descobrir o que está acontecendo e eu prometo que assim que eu souber de algo, vou avisar vocês, tudo bem? Agora busque alguma das minhas irmãs e fique junto com elas. Vão te ajudar a se acalmar, entendido?

A hóspede viúva acenou positivo e cruzou o corredor atrás das duas mulheres, adentrando a escuridão novamente. Quando Sia continuou a andar pra frente, Minerva a seguiu em silêncio, raciocinando. Até que, concluindo seu pensamento, ela disse:

– Você mentiu. Você sabe o que aconteceu no quarto dela, não sabe?

Sia, ainda andando, respondeu:

– Sim.

– Então porque você mentiu para ela? Porque não contou a verdade de que sabe o que está acontecendo?

Sia olhou para a garota e sorriu.

– Você nunca mentiu, certo?

– Não. A realidade dos fatos pra mim vale mais do que qualquer outra coisa.

– E você também parece ter medo de nada, não é mesmo?

– Como assim?

– Você veio andando até aqui sem medo algum e sem se surpreender com nada, nem mesmo os pesadelos e coisas bizarras pelo caminho. Acho que a morte não te surpreende da mesma forma que espantou aquela mulher, certo?

Minerva ficou alguns segundos em silêncio até responder em um tom de voz baixo:

– Todos vamos morrer um dia.

– Mas e se eu te dissesse como e quando você e todos dentro desta Casa vão morrer? E se eu te contasse que isso tudo está atrás da próxima porta?

Sia então virou-se para Minerva e deu um passo para trás. Entre elas, na parede da direita, havia uma porta.

– Você atravessaria para descobrir se eu estou errada?

Minerva sentiu um arrepio correr pela sua espinha.

– Você não teria como saber disso tudo. Não existem fatos ou provas pra tanto.

– Bem, então entre. Hora de você entender o porquê eu bebo.

IV

Minerva não conseguia acreditar no que estava vendo.

Ao passar pela porta, ela e Sia chegaram em uma das áreas externas da casa, onde estavam no mezanino de um jardim. A noite, a vista do térreo do jardim era quase impossível de ver. Não fosse pela luz da lua, Minerva jamais poderia reconhecer que o jardim estava repleto de cadáveres.

Sia ficou ao lado dela e colocou o copo de uísque no parapeito. Minerva estava com uma cara de terror e medo diante daquela visão.

– Sia, aquilo tudo são…

– Hóspedes. Todos mortos da mesma forma que o marido da mulher que encontramos no corredor.

– Mas o que está fazendo isso?

E como se ouvisse a pergunta de Minerva, o assassino apareceu.

Sia fez um gesto para que a garota ficasse em silêncio, e ambas observaram enquanto a criatura entrava no pátio do jardim, pisando e perfurando os corpos desfalecidos com suas garras. Seus ossos estalavam a cada passada, seu corpo assumia formas diversas que se confundiam com a escuridão da noite. A todo o momento, a criatura pegava corpos soltos, decepando uma cabeça ou perna e sugava membros, se alimentando. Enquanto Minerva assistia horrorizada aquilo, Sia sussurrava ao seu lado:

– Eu não sei como ele chegou aqui dentro. Comecei a suspeitar quando os residentes começaram a desaparecer, e desde então tenho procurado pistas do que estava acontecendo. Então um dia eu cheguei aqui e encontrei esse jardim. Ele traz todas as vítimas para cá durante a noite, por isso montamos um toque de recolher. Tudo que ele vê pela frente ele mata, nada que se aproxime disso sobrevive. Ele se alimenta dos cadáveres e os guarda como troféus. Nada está a salvo dele, Minerva, e é por isso que eu comecei a beber. Eu sei dos efeitos, sei do que pode fazer comigo, mas depois de passar um dia inteiro com aquilo sobre meus ombros, a única coisa que eu quero fazer é descansar. Porém eu não sei quem eu estou tentando enganar. Nem eu mesma consigo mais dormir.

Minerva ouviu os sussurros sem tirar os olhos daquela criatura. Pela primeira vez ela encarava algo diante dela com puro medo, um terror que nem ela sabia que existia em seu coração. Suas mãos tremiam, seu corpo suava frio só de estar por perto daquela entidade. Lentamente sua mão começou a se mover no parapeito, em direção ao copo de uísque. Seu corpo e sua mente buscavam algum calor no frio que aquela presença trazia ao cômodo.

E no momento em que ia pegar a taça, Sia segurou o copo e tirou de perto da garota. Ambas se olharam e a mulher mais velha sorriu para aquela criança.

– Vamos voltar para o quarto. Concluímos nosso passeio.

IV

As duas estavam novamente no quarto de Sia, sentadas uma em cada poltrona. Minerva ainda estava em choque com o que tinha visto naquela noite, e estava buscando respostas dentro de suas observações e de Sia, mas nenhuma delas indicava nenhum tipo de solução.

– Como podemos deter aquilo, Sia?

– Não podemos. Aquilo não é nem um pesadelo, Minerva, é algo muito maior. Maior que nós mesmos, e somente alguém em tal patamar pode lidar com uma ameaça desse tipo.

– Você diz… ele?

– Ou ela. Mas seja como for, essa pessoa ainda não chegou. Torcemos para que entre na Casa mais cedo ou mais tarde, porque se não chegar…

Minerva sabia o que aconteceria caso ninguém chegasse para lidar com aquela criatura, mas ao mesmo tempo ela tinha medo de dizer em voz alta. Sia continuou:

– A morte anda a solta na Casa, Minerva. E é por isso que eu não preciso de substituição. Talvez a gente não dure tempo o suficiente para ser substituída, entende? – Minerva, quieta, assentiu com a cabeça – Mas você realmente me tocou com suas críticas. Posso não precisar de alguém no meu lugar, mas não quer dizer que eu não aceitaria uma mãozinha extra nos meus trabalhos. Acho que podemos muito bem trabalhar juntas, o que você acha?

Minerva olhou para Sia e viu que a mulher sorria em sua direção. Melhor do que trabalhar em seu lugar isoladamente, as duas poderiam concluir muito mais juntas, em um conhecimento que combinasse o melhor de cada mente.

As duas então sorriram uma para a outra e se assustaram quando a porta foi aberta. Mas para o alívio de Sia, era apenas Thisi, sua irmã, que estava na entrada do quarto.

– Desculpe, eu vi a luz acessa e vim ver se você ainda estava acordada.

– Está tudo bem irmã. Só dei uma esticada na noite.

– E quem é a pequena?

– Essa é Minerva – Sia olhou para a colega sorrindo – Acho que ela vai ficar aqui por um tempo para nos ajudar com aquela questão peculiar. Toda ajuda será bem-vinda para lidar com o que nos espera.

– Um brinde as suas palavras, irmã!

Sia levantou seu copo em direção a Thisi e depois para Minerva. A garota se surpreendeu quando sentiu, em sua mão, um copo largo com um líquido transparente dentro. Enquanto Minerva olhava o copo com suspeitas, Sia riu para a jovem:

– É apenas soda!

– Eu sei! – Minerva respondeu envergonhada

– Claro que sabe.

Ambas brindaram a nova equipe e beberam seus últimos copos antes de dormir.

Para Beatriz

29/01






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