{MATANDO A ANSIEDADE} PRÓLOGO E 1° CAPÍTULO - GUERRA PRIMITIVA
- Skull Editora
- 8 de mai.
- 17 min de leitura
ISSO NÃO É UM PASSEIO NO PARQUE.
Foi o que nos chamou atenção. Ethan reverencia o clássico e nos presenteia com algo único.
Leia o Prólogo e o primeiro capítulo do livro Guerra Primitiva com lançamento previsto para 30/06

PRÓLOGO – 23 de setembro de 1968
O esplendor natural do Vietnã foi atormentado pela guerra. Selvas pacíficas foram transformadas em labirintos infernais, onde soldados perderam a cabeça e a vida em tiroteios horríveis. O medo e a paranoia romperam os fios da moralidade humana. A Ofensiva do Tet, o Viet Cong e o Exército do Vietnã do Norte. O maior ataque contra as forças americanas no sul do Vietnã, incendiou cidades inteiras. Massacres eram cometidos diariamente pelas forças americanas e pelo Viet Cong.
Muitos quilômetros ao norte deste conflito, além da Zona Desmilitarizada que separava o Vietnã do Norte e do Sul, ficava um antigo vale de selva aparentemente intocado pela violência.
Um oceano de copas densas de árvores cobria as colinas ondulantes do vale. Um rio negro e sinuoso cortava as planícies aluviais da bacia e refletia a lua luminosa em uma noite sem estrelas. Nuvens pesadas caíam sobre os picos escarpados das montanhas e desciam as encostas.
Tambores de guerra sacudiam o ar, alertando a selva sobre a aproximação de uma tempestade. Sob a copa das árvores, perdido entre os incontáveis troncos gigantescos de sumaúma e durião, um soldado solitário chamado Kendrick Anderson se esforçava para salvar a sua vida.
Kendrick se arrastava freneticamente pelos arbustos úmidos, o rosto pálido tomado pelo pânico. A escuridão consumia tudo. Kendrick não enxergava nada, tropeçando em raízes rasteiras e trepadeiras baixas. As folhas largas das bananeiras batiam em seu rosto como mãos geladas. Sua bota ficou presa em um tronco submerso, e ele caiu de cara em um tapete de matéria vegetal em decomposição e cascas de árvore. Arrastou-se pelo solo e se levantou, ganindo como um cachorro espancado.
Há quanto tempo ele estava perdido naquele vale? Fazia apenas uma semana, mas cada dia parecia uma vida inteira, repleta de novos desafios angustiantes para testar sua capacidade de sobrevivência. Ele era um membro dos Boinas Verdes, um dos mestres do Exército dos EUA na contraguerrilha, mas o vale provou ser demais para ele. Tinha o privilégio de estar vivo e relativamente são. O resto do seu pelotão não teve tanta sorte.
Quando o pelotão de Kendrick marchou pela primeira vez àquele vale obscuro, os soldados estavam tão seguros de si. Pensaram que sua missão era apenas mais uma caminhada pelo parque, fugindo dos vietcongues e driblando s vida selvagem perigosa. Isso até o primeiro dos doze homens do seu pelotão morrer.
O primeiro homem a morrer foi levado à noite. Kendrick acordou e não viu mais seu amigo Maynard. Tudo o que conseguiu encontrar de seu companheiro foram alguns pedaços de pele esfarrapada e um rastro de sangue que se aprofundava na mata. Aconteceu com outro homem na noite seguinte, e depois outra vez.
Às vezes, eram levados enquanto dormiam; outras vezes, durante patrulhas. Kendrick caminhava com seu pelotão e, quando olhava por cima do ombro, outro de seus companheiros soldados havia desaparecido sem nenhum som ou sinal do que havia acontecido.
Eles começaram a suspeitar que estavam sendo seguidos por um devorador de homens, como um tigre ou um urso negro asiático. Todos conheciam as lendas, as histórias contadas entre os soldados enquanto comiam suas rações ao redor de uma fogueira. Os vietnamitas falavam de demônios que assombravam a selva, raptando crianças de aldeias desavisadas.
Kendrick achou que fazia sentido que demônios vingativos tentassem sequestrar jovens americanos. Seus amigos riram dele por pensar assim, mas isso foi até verem o assassino tarde da noite.
A criatura era algo que Kendrick nunca tinha visto antes e desejava nunca mais ver. Era rápida, silenciosa e quase impossível de avistar em meio à folhagem. Havia quatro criaturas no total.
Apesar dos melhores esforços do pelotão para revidar, os predadores eram muito cruéis e astutos. No primeiro encontro, três companheiros de esquadrão de Kendrick foram massacrados. Ele ainda ouvia ossos quebrando, o som úmido de órgãos sendo arrancados de seus amigos aos gritos. Kendrick mal dormiu depois do ataque.
Não demorou muito para que o esquadrão de Kendrick se desintegrasse. Alguém perdeu o rádio durante o ataque, e outro homem perdeu seu rifle e mochila. Eles se perderam em uma selva enlouquecedora e infinita, desconectados de sua única chance de fuga.
Mais dois homens foram capturados na noite seguinte. Restaram apenas Kendrick e outros dois. Eles tiveram que continuar avançando para o norte na tentativa de completar sua missão.
Quanto mais se aventuravam no vale, mais a selva parecia se tornar sobrenatural. Feras ocultas uivavam na noite. Criaturas imensas, do tamanho de aviões, voavam pelo céu. Eles até descobriram o crânio de um leão que havia sido esmagado pelas mandíbulas de um poderoso gigante.
Certa manhã, Kendrick encontrou o corpo de um de seus últimos companheiros de esquadrão do lado de fora do acampamento. A garganta do jovem havia sido aberta e seu estômago eviscerado. Kendrick não ouvira nada; dormira durante o ataque. Seu outro amigo, seu único companheiro de esquadrão restante, cometeu suicídio logo em seguida.
E agora, Kendrick estava sozinho, correndo pela floresta para salvar sua vida, sem qualquer plano ou esperança de sobrevivência. Ele sabia que estava sendo caçado. A morte espreitava em cada sombra que se movia, escondida no som mais sutil de um galho quebrando ou do farfalhar de folhas. Ele não conseguia ver nem ouvir as criaturas, mas sabia que estavam lá.
Kendrick podia sentir olhos frios percorrendo seu corpo machucado e espancado. Provavelmente lambiam os dentes de ansiedade, esperando o momento perfeito para atacá-lo enquanto ainda estava vivo e... gritando.
Mas ele não deixou.
Deus, não, ele não deixaria isso acontecer.
Um trovão sacudiu as árvores e, quase imediatamente, uma onda de chuva forte atingiu a copa das árvores. A tempestade subjugou os sentidos de Kendrick. Ele apertou os olhos enquanto a chuva batia em seus olhos. O zumbido da chuva tamborilante encheu seus ouvidos. Ele cambaleou pela vegetação rasteira, com as mãos à frente do corpo para não bater em um tronco de árvore.
Enquanto caminhava, Kendrick notou que as árvores estavam ficando mais espaçosas e a vegetação rasteira encolhendo. Com base em seu treinamento, ele sabia que estava se aproximando de um curso d'água. Se encontrasse o rio ou um riacho, poderia seguir a corrente em direção ao extremo sul do vale, onde seu comandante, o General Jericho, tinha uma pequena base militar.
Kendrick sentiu um sorriso tremer em seus lábios.
Talvez conseguisse sair vivo.
Houve um relâmpago. Tudo foi pintado em luz branca e traçado com sombras. Naquele breve instante, viu o contorno horripilante de uma criatura deslizando pela vegetação rasteira como uma aparição. Um trovão ribombou acima de sua cabeça, e a selva foi lançada de volta à escuridão.
Kendrick ficou paralisado sob a chuva torrencial. Ele encarou o abismo com os olhos arregalados e lentamente caiu de joelhos. Estava lá, cercando-o. Ele vagamente esperava que a criatura não pudesse vê-lo ou sentir seu cheiro na chuva. Talvez fosse tão cega quanto ele naquela situação.
E então, através do barulho constante da chuva, ele ouviu.
Uma respiração pesada, aproximando-se lentamente.
Kendrick se levantou de um salto e correu pela floresta, ziguezagueando entre troncos de árvores, saltando sobre troncos e pedras. Uma de suas botas saiu e ele diminuiu o passo, estremecendo a cada passo. Galhos e pedras rasgavam a carne macia de seu pé apodrecido.
Kendrick cambaleou, tremendo sob as agulhas geladas da chuva, impulsionado pela adrenalina crescente. Ouviu o ataque implacável da chuva contra a superfície do rio. Estava cada vez mais perto de escapar.
Em algum lugar, seu predador o observava. Ele podia sentir.
O pé descalço de Kendrick escorregou na lama e ele caiu para a frente com um baque molhado. Seu senso de luta ou fuga o dominou. Ele cravou as mãos na grama pantanosa e se arrastou para a frente através dos grossos talos e troncos da vegetação do pântano.
Kendrick se arrastou por uma encosta e deslizou para dentro de água gélida e fétida. O frio o chocou e ele colocou a cabeça para fora da água, ofegante e tremendo. Houve um relâmpago, e à luz súbita, ele enxergou ao redor os manguezais retorcidos, com raízes que se erguiam do chão como patas finas e enroscadas. A selva parecia vazia, desprovida de vida.
Isso significava que a criatura estava por perto.
Kendrick sabia que não podia mais correr. Cada respiração queimava seus pulmões. Seu corpo estava dormente de frio, seu coração lutava para manter o sangue espesso bombeando em suas veias. Era hora de se esconder. Ele caminhou cautelosamente pela água na altura do peito em direção aos manguezais.
Kendrick rastejou para dentro da gaiola de raízes e olhou para o espelho negro da superfície da água. Parecia que havia caído em um lago; sua única chance de escapar fora um sonho. Tudo o que lhe restava era sentar e esperar, tremendo e tomado pelo terror.
Em meio à tempestade rugindo, Kendrick ouvia passos lentos à beira da água. Cada passo era cuidadosamente dado, metódico e silencioso. Ele ouviu o predador farejando o ar, seguido por um rosnado longo e baixo. Folhas roçavam suavemente nas penas e na pele coriácea. A criatura circulava o lago, tentando localizar Kendrick na tempestade.
Kendrick se aconchegou cuidadosamente na toca do manguezal e olhou fixamente para a superfície salpicada da água. Prendeu a respiração até sentir os pulmões secos.
Houve um relâmpago, e ele viu a silhueta da criatura refletida na superfície da água. Estava bastante distorcida, mas Kendrick conseguia distinguir claramente o contorno do corpo do animal. Era mais alto que um homem, com uma cauda reta e membros musculosos. A criatura ergueu o focinho comprido, farejando o ar. As garras curvas se agitaram em antecipação. As mandíbulas da criatura se abriram em um rosnado dentuço e estrondoso.
Estava apenas a três metros de distância.
Kendrick tremia incontrolavelmente. Lágrimas se perdiam com a chuva em seu rosto. Um grito lamentável se arrastou de seus lábios como um verme, e ele tapou a boca com as mãos para se manter em silêncio. A urina fluía livremente entre suas pernas. Kendrick ouvia os passos se aproximando lentamente; a criatura estava demorando. Sabia que não tinha mais para onde correr.
Os olhos de Kendrick começaram a se acostumar à escuridão. Ele viu as pernas musculosas da criatura parada à sua frente. As garras em forma de foice se flexionaram e se cravaram na terra. Kendrick estava petrificado de medo; não conseguia mais pensar ou compreender sua realidade. Só conseguia observar a criatura agachada à sua frente, encarando-a com olhos frios e calculistas.
A criatura estendeu os braços em volta das raízes do mangue, cobrindo a toca com penas. Suas garras raspavam a casca da raiz.
Um último abraço, para garantir que não haveria escapatória.
Os olhos amarelos da criatura brilhavam na escuridão. As penas abafavam o som da tempestade. Kendrick só conseguia ouvir seu próprio gemido e a respiração lenta e constante do animal. Estava tão escuro que mal conseguia ver as mandíbulas da criatura se abrindo, revelando dentes serrilhados. O hálito quente do animal, rançoso de decomposição, o inundou. Kendrick sentiu um apelo desesperado se prender na garganta.
— P-por favor.
A cabeça da criatura disparou para a frente e agarrou a garganta de Kendrick com suas mandíbulas. O animal o sacudiu violentamente de um lado para o outro, rasgando a carne do seu pescoço como se fosse tecido. Sangue quente escorreu pelo pescoço de Kendrick. e, de repente, a criatura o soltou.
Kendrick caiu para trás, gritando, e uma dor lancinante percorreu seu corpo enquanto garras cortavam seu estômago. A criatura estava selvagem, rosnando e indiferente, enquanto Kendrick gritava e batia em seu focinho com os punhos.
Em seu último e fugaz lampejo de consciência, Kendrick observou a criatura afundar o focinho em seu abdômen e arrancar espirais de seus intestinos. A última sensação foi seu próprio estertor, áspero e agonizante, rasgando pelos buracos irregulares em sua garganta.
Esta não era a guerra que ele conhecia.
CAPÍTULO 1 - BISPO
— Você sabe, essa guerra vai acabar em questão de tempo.
— Uh-huh.
— É tudo uma questão de sobrevivência...
Bishop ouvia distraidamente enquanto olhava pela janela do jipe barulhento. O sol nascia acima dos topos das montanhas e banhava as planícies aluviais com uma luz dourada brilhante. O jipe descia lentamente por uma longa estrada de terra vermelha ladeada por extensos arrozais. Palmeiras balançavam ao vento ao longo da estrada, lançando sombras sobre o pequeno veículo verde-oliva.
Bishop se sentou no banco de trás ao lado de seu companheiro de esquadrão, Ibex, enquanto o Comandante Wallace o observava do banco do passageiro. David, o motorista de Wallace, estava tão desinteressado na conversa quanto Bishop. David já ouvira o mesmo discurso de Wallace inúmeras vezes.
— Veja bem — disse Wallace. — Esta guerra é apenas uma questão de sobrevivência. É da nossa natureza lutar por território, da mesma forma que famílias de chimpanzés lutam entre si por pequenos pedaços de selva. Temos essa necessidade instintiva de exercer nossa força uns contra os outros, de liberar essa fúria primordial. Esta guerra não se trata de ideologias nobres, como democracia ou comunismo. É simplesmente mais um exercício, mais um teste da nossa capacidade de matar. É como chimpanzés lutando. Eles precisam exercer essa sede de sangue, assim como nós. Precisamos matar; faz parte de quem somos. É a nossa natureza primitiva.
Wallace observou Bishop com expectativa.
— Claro — resmungou Bishop.
— Veja bem, o Pentágono, o governo, eles gostariam que você acreditasse que estamos aqui lutando pelos vietnamitas ou pela ideia de liberdade, ou o que quer que seja, mas todos sabemos que isso é uma grande besteira. Estamos apenas sendo testados. É só isso — disse Wallace, apontando para o para-brisa. — Provamos nosso valor contra os alemães, os japoneses e os coreanos. Agora só precisamos provar que somos melhores nisso do que esses vietcongues, esses caras que vêm dançando essa dança há vinte, trinta anos. Os caras do Pentágono, McNamara, os burocratas, eles só querem provar que podemos matar qualquer coisa, em qualquer lugar. Querem que provemos que podemos sobreviver e lutar melhor nestas selvas do que esses Charlie-bastardos. Mas, ei, não tenho problema em provar a eles que meus homens são mais do que capazes de sobreviver nesta tempestade de merda. Somos os melhores animais. Vocês verão isso quando chegarmos na vila.
Wallace voltou sua atenção para fora da janela. Ibex olhou para Bishop e girou um dedo ao lado da cabeça. Bishop assentiu com um suspiro cansado. Ambos sentiam o mesmo. Divagações insanas de Wallace.
Bishop olhou pela janela e observou o mar de arrozais verdes dar lugar a cabanas de bambu, espalhadas por uma ampla clareira. O jipe passou por dezenas de soldados americanos portando M60 e M16. Alguns corriam pela aldeia, enquanto outros caminhavam sem entusiasmo. Passaram por um tanque que avançava lentamente pela estrada, e toda a força do batalhão apareceu.
Mais à frente, Bishop viu cabanas sendo incendiadas por soldados com lança-chamas. Jatos de fogo saíam dos bicos e consumiam os abrigos. Aldeões imolados fugiam de suas casas, rolando pela grama e terra enquanto gritavam de dor. Alguns soldados abateram os civis em fuga com seus rifles de assalto.
— Sim. É só uma questão de sobrevivência — disse Wallace. Ele cutucou David com o cotovelo. — Encoste aqui mesmo.
David parou o jipe na encosta da estrada de terra e estacionou sob uma palmeira ondulante. Bishop e Ibex saíram rapidamente com seus rifles em punho.
Bishop era magro e musculoso, vestido de maneira casual com calças enlameadas, uma camiseta e uma bandana verde cobrindo a boca. Seu cabelo era curto e despenteado, e um par de óculos pretos escondiam seus olhos. Ele segurava uma AK-47 especialmente personalizada, pintada com spray preto e verde.
Ibex se vestia mais como um soldado do que Bishop, usando o uniforme militar padrão das Forças Especiais com listras de tigre. Era um homem baixo e atarracado, de ascendência tanzaniana. Usava um colar de dentes de crocodilo e um chapéu de aba larga.
Bishop colocou a mochila no ombro e ficou à sombra da palmeira. Wallace estava diante dele, de costas para a aldeia e os soldados que a saqueavam. Wallace sorriu e abriu os braços.
— Bem-vindos ao paraíso, cavalheiros — disse Wallace.
O tanque passou com estrondo e disparou um foguete contra uma cabana próxima. O abrigo explodiu com uma explosão contundente e destroços em chamas caíram do céu. Bishop estremeceu com a explosão e cobriu a cabeça para se proteger da nuvem de cinzas e brasas.
— Só nos mostre onde você encontrou — disse Bishop rapidamente. — Jericho não gosta de ficar esperando.
Wallace assentiu rapidamente e pegou uma M16 do jipe, olhando para Bishop por cima do ombro enquanto segurava o rifle.
— É melhor ficar por perto — disse Wallace com uma piscadela. — Isso pode ficar um pouco complicado.
Bishop revirou os olhos para Ibex.
Wallace conduziu Bishop e Ibex pela trilha de terra, atravessando colunas de soldados que entravam e saíam correndo das cabanas ao longo da estrada, procurando por vietcongues enquanto saqueavam os abrigos.
Uma fila de soldados estava à beira da estrada, com seus rifles apontados para uma fileira de vietnamitas caídos no chão. Assim que Bishop passou, ouviu o estampido dos rifles e balançou a cabeça, enojado.
Bishop e Ibex não costumavam se associar à infantaria. Embora simpatizassem com os jovens convocados para o exército, tinham pouco ou nenhum respeito por líderes como Wallace. Bishop era silenciosamente grato por ser o braço direito do General Amadeus Jericho, um dos líderes mais respeitados do Exército dos Estados Unidos.
Bishop era o líder do esquadrão pessoal de operações secretas de Jericho. Como seu trabalho era frequentemente clandestino e implacável, raramente lidavam com os aldeões vietnamitas ou com os homens que os destruíam.
— Quando meu pelotão entrou pela primeira vez nesta vila, capturaram o caminhão de suprimentos que seguia para o sul, saindo da selva — disse Wallace, passando por cima do corpo crivado de tiros de um camponês. — Meus rapazes não sabiam o que fazer com os barris na caçamba do caminhão, então decidi ligar para o velho Jericho. Achei que ele teria alguns homens que talvez soubessem com o que estamos lidando.
— Veremos — murmurou Bishop.
À medida que se aprofundavam na aldeia, as cabanas se tornavam mais próximas umas das outras. Soldados americanos permaneciam do lado de fora, fumando baseados e brincando, enquanto outros vigiavam homens vietnamitas amarrados e amordaçados.
Um soldado estava sentado ao lado de uma cabana, tremendo violentamente, com a cabeça entre as mãos. Seus olhos injetados de sangue miravam o corpo de uma mulher caída à sua frente. Ela jazia em uma poça do próprio sangue, segurando uma frigideira. Uma criança puxava freneticamente seu vestido. Outro soldado se aproximou e puxou a criança que gritava.
De repente, uma mulher saiu correndo de uma cabana e foi até Bishop. Ele se virou para encará-la no momento em que ela se agarrou a ele, implorando desesperadamente em vietnamita. Wallace a pegou pelo braço e começou a puxá-la para longe. Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Isso de novo não, mocinha — disse Wallace. Ele olhou para um sargento parado ao lado de uma cabana, bebendo com alguns outros soldados. — Achei que tinha te dito para manter essa garota longe, porra!
O sargento deu de ombros e caminhou para a frente.
— Desculpe, senhor. Vou levá-la de volta.
A mulher se soltou das mãos de Wallace e segurou Bishop com força. Ela falava com urgência, olhando diretamente em seus olhos. Ele podia sentir seu desespero e pânico.
— O que ela está dizendo? — perguntou Bishop, virando-se para Wallace. Ele a abraçou.
— Só umas besteiras de mágica nativa — respondeu Wallace, balançando a cabeça. — Algo sobre demônios, serpentes emplumadas ou algum outro monstro.
— O que mais ela está dizendo? — perguntou Bishop.
Wallace suspirou, desinteressado.
— Ela anda contando para todo mundo que o marido foi levado da cabana deles ontem à noite por uma serpente emplumada, um demônio. É tudo besteira. O cara provavelmente se deu conta dessa louca e foi embora da cidade. Ou ela acha que ele foi comido por um crocodilo ou algo assim. É tudo conversa fiada; folklore local.
Wallace arrancou a mulher das mãos de Bishop e a empurrou para os braços do sargento. A mulher implorou a Bishop enquanto era arrastada de volta para a cabana. Bishop sentiu algo se agitando em seu íntimo e sentiu a necessidade de se certificar de que ela ficaria bem
Bishop observou os soldados rindo e seguindo a mulher e o sargento para dentro. Ele não conseguia parar de pensar no medo na voz da mulher enquanto Wallace o puxava para mais longe, para dentro da aldeia.
— Aqui está, rapazes — disse Wallace.
Eles estavam parados no final da aldeia, onde um caminhão de suprimentos enferrujado havia quebrado ao lado de várias cabanas. Alguns soldados estavam sentados ao redor, fumando, bebendo e conversando. O tanque rugia ao longe e eles ouviram o estalo ecoante de tiros.
Ao lado do caminhão, um único guerrilheiro vietcongue se contorcia de dor no chão. O sangue escorria pela camisa esfarrapada do homem, devido aos ferimentos de bala em seu peito. Wallace fez uma careta ao ouvir o homem chorar.
— Pelo amor de Deus, David, isso é revoltante — disse Wallace. — Ele está sofrendo!
— Desculpe, senhor — disse David. Ele deu um passo à frente e encostou o cano da sua M16 na testa do homem. Bishop empurrou David para o lado e a M16 disparou contra o chão.
Bishop se agachou e despejou água de seu cantil na boca do ferido. O homem assentiu, agradecido, e encarou Bishop com olhos opacos. Seus lábios tremiam.
— Máy gia tốc. — O homem tossiu.
Bishop olhou para Ibex.
— O que ele está dizendo?
— Collider — disse Ibex, estreitando os olhos.
— O que significa?
Um tiro soou perto do ouvido de Bishop e ele recuou em choque. Olhou para trás e viu a cabeça do guerrilheiro sangrando ao lado do pneu do caminhão. Um ferimento de bala, como um terceiro olho escancarado, surgiu no centro da testa do homem. Bishop se virou para David e encarou a fumaça que subia do cano de sua M16.
— Ele estava agonizando — disse David, dando de ombros. — Seria cruel mantê-lo vivo.
Bishop se levantou e empurrou David para o lado. Ele passou por Wallace e foi até a traseira da caminhonete. A caçamba estava coberta com uma lona encharcada de chuva. Bishop e Ibex pegaram as pontas da lona e a puxaram. Wallace caminhou até eles.
— Então, nós…
— Vá embora, Wallace — Bishop disparou. — Já vi o suficiente das suas táticas de 'sobrevivência'. Tenho certeza de que Jericho ficará feliz em saber. Agora saia daqui e volte para os seus homens. Estou farto de ouvir sua voz.
Wallace franziu a testa, mas deu de ombros e foi embora com David e os outros soldados. Bishop os observou partir e balançou a cabeça. Olhou para Ibex.
— Essa gente de merda — disse ele. — Mas numa coisa ele estava certo. Ele certamente entende de natureza primitiva. O homem transformou seus homens em animais.
Bishop se voltou para o caminhão. A caçamba estava carregada de tambores de óleo de chumbo, cerca de uma dúzia no total. Os tambores tinham letras russas impressas em amarelo nas laterais. Bishop enfiou a mão na mochila e tirou um contador Geiger, um dispositivo para detectar radiação. Girou um botão no contador e o apontou para o tambor de óleo mais próximo.
Quase imediatamente, o contador Geiger começou a estalar rapidamente; o tambor de óleo era altamente radioativo. Bishop e Ibex recuaram rapidamente vários metros, até que o contador parou de funcionar. Bishop tirou um mapa da mochila e o desdobrou.
Vários "x" estavam marcados no mapa, indo do sul da Zona Desmilitarizada até o norte, em direção à base de Jericho e ao vale isolado da selva além, onde ainda não haviam se aventurado. Bishop desenhou outro "x" na parte inferior do mapa e traçou uma linha em direção ao interior do vale. Ele dobrou o mapa e o guardou de volta na mochila.
— Rádio — disse Bishop.
Ibex tirou o volumoso rádio de metal da mochila e o entregou. Bishop girou vários botões, digitou um código no teclado frontal e colocou o fone de ouvido no ouvido. Ele ouviu o chiado da estática até que uma voz rosnou.
— Qual é o seu indicativo?
— Bravo-Mike-Sierra, chamando por Golf-Alpha-Juliet — disse Bishop.
— Entendido, Bravo-Mike. Golf-Alpha reportando. Qual é a sua situação?
— Confirmamos a localização e o status do carregamento. É o mesmo que os outros; altamente radioativo, com marcas russas, conduzido por um suposto vietcongue. Nosso suspeito foi morto antes que pudéssemos obter qualquer informação real dele. Este é o quinto carregamento desde setembro, senhor.
O general Jericho, o homem do outro lado da linha, resmungou baixinho.
— Você ouviu alguma coisa de Kendrick Anderson e seu pelotão? — perguntou Bishop.
Estática zumbia no ouvido de Bishop. O General Jericho falava lentamente.
— Nem uma palavra. Já faz uma semana que começaram a rastrear os carregamentos, e perdemos todo o contato por rádio três dias depois. Acho que estão desaparecidos em combate.
Houve explosões atrás deles, na aldeia. As explosões contundentes fizeram as árvores ao redor da clareira tremerem. Bishop virou as costas para o eco das detonações e encarou as profundezas da selva além da clareira.
Em algum lugar lá fora, ele sabia, Kendrick Anderson precisava desesperadamente de ajuda. Bishop coçou o queixo, pensativo.
— O que faremos agora, senhor? — perguntou Bishop.
— Você e Ibex fiquem firmes; tenho um helicóptero a caminho para tirar vocês dois da vila. Quanto a Kendrick Anderson e sua equipe...
Bishop ouviu a estática do rádio.
— …Senhor?
— Kendrick Anderson e sua equipe foram os melhores homens que consegui encontrar para o trabalho. Vou precisar de muita ajuda para continuar de onde pararam — disse Jericho.
— Não me diga — disse Bishop. Ele apertou os dedos em volta do fone.
— Infelizmente — a voz de Jericho veio embargada pela estática. — Precisamos do Esquadrão Abutre.
Guerra Primitiva está em pré-venda no link abaixo
Lançamento dia 30/06
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